Ao chegar no templo de Apolo em Delfos, o visitante se deparava com uma inscrição gravada numa pedra acima de sua entrada: “Nada em excesso”. Esse conselho nos lembra que a excelência só pode ser alcançada evitando-se os extremos. Assim como no budismo, invoca-se o caminho do meio como a via que conduz à paz, os gregos aconselhavam a moderação como uma rota segura à boa vida.
A mitologia nos legou diversos exemplos que podem nos ajudar a compreender a importância deste pilar fundamental, como no caso do voo de Ícaro. Diz o mito, que o rei Minos de Creta desconfiou que seu mais importante arquiteto, Dédalo o havia traído, por isso deu ordens para que prendessem não só o arquiteto como seu filho Ícaro. Pai e filho acabaram aprisionados no alto de uma grande torre. Dédalo, que tinha uma grande mente inventiva, refletiu sobre a melhor forma de escapar da prisão. Foi a partir da observação dos movimentos dos pássaros que orbitam a torre que ele teve uma ideia. Dédalo pegou os restos de ceras das velas que estavam no quarto, retirou as penas dos travesseiros de suas camas e construiu dois pares de asas. Dédalo instruiu seu filho sobre o manejo das asas. Disse a Ícaro que se ele voasse muito baixo, os respingos da água do mar molharam suas asas e encharcar as penas fazendo-o cair. Por outro lado, se ele voasse alto demais, a cera da estrutura das asas derreteria com o calor do sol resultando em sua queda. Ou seja, Dédalo aconselhou o filho a evitar os extremos e permanecer numa altura mediana para que conseguisse sair de sua prisão e viver.
Infelizmente Ícaro voou alto demais e suas asas derreteram. A queda de Ícaro foi um mergulho para a morte.
O que essa simples história nos mostra, de acordo com o professor Bertman, é que precisamos manter um equilíbrio seguro entre os extremos, pois o melhor a fazer é agir com moderação em todas as coisas.
Ceder às paixões e desejos é o atalho mais fácil para a ruína. E aqui exemplifico esse argumento com um trecho do belo poema de J.R.R Tolkien em seu ensaio Árvore e Folha (traduzido por Ronald Kyrmse):
Ó, não vês aquela estrada estreita
Coberta de urzes e de espinhos?
Pois é a trilha da Honradez,
Poucos perguntam de tais caminhos.
E não vês aquela estrada larga
Que passa pelo campo liso?
Pois é a trilha dos Perversos,
Que chamam de Estrada do Paraíso.
A moderação neste sentido deve ser um norte de nossas ações.
Outro exemplo de como a falta de moderação resultante da entrega aos impulsos e desejos é o da Guerra da Tróia. Uma guerra que começa justamente pelo desejo por uma mulher. Conta-se que este grande conflito teve início no casamento do rei Peleu com a ninfa do mar Tétis (mãe de Aquiles). No dia da festa, havia três deusas presentes, Hera, a rainha dos deuses, Atena, deusa da sabedoria e Afrodite, a deusa do amor. No entanto, havia uma quarta deusa, que não havia sido convidada, mas apareceu mesmo assim, era Éris, a deusa das dificuldades. Pronta para lançar suas discórdias, discretamente deixou cair de propósito um pomo de ouro com a inscrição “À mais bela”. As três deusas se abaixaram para pegar o pomo, mas é aí que veio a confusão. Qual das três era a mais bela. Ali não se chegou a um consenso e o caso foi levado a Zeus. O deus do Olimpo não querendo se indispor com nenhuma das deusas, aconselhou-as que procurassem um pastor que cuidava de seu rebanho. Zeus garantiu-lhes que este seria um juiz imparcial.
As três deusas foram ter com o pastor. Este pastor não era nada mais nada menos que Páris, filho de Príamo, rei de Tróia. Hera prometeu transformá-lo no rei mais poderoso da terra, Atena prometeu torná-lo o mais sábio de todos os filósofos e por fim, Afrodite prometeu-lhe a mão da mulher mais linda do mundo. Páris não hesitou em nenhum momento e impulsionado por seus desejos escolheu Afrodite como a mais bela.
Páris como membro da família real troiana foi escolhido como um dos embaixadores que iriam visitar o rei espartano Menelau. Foi aí que Afrodite lançou seu feitiço de amor e fez com que Helena, mulher de Menelau e Páris, se apaixonassem. O desejo venceu a moderação e a guerra teve início.
Os gregos não eram ascetas, mas a história de Helena e Páris busca nos mostrar que devemos sim amar, mas com moderação. O sexo é uma força vital cujo objetivo biológico é a perpetuação da espécie. No entanto, não somos apenas seres biológicos, somos seres morais e éticos.
Assim como nossos desejo erótico pode se tornar uma armadilha para a imoderação, o desejo pelos bens também pode nos corromper. Os filósofos estoicos acreditavam que nós não tínhamos a posse dos bens, mas eram os bens que nos possuíam. Da mesma forma que o desejo carnal e a cobiça poderiam nos machucar, o desejo por posses também.
Quanto mais possuímos, mais estamos insatisfeitos. A compulsão pelo consumo no conduz a um ciclo vicioso de apego pelo que não temos e insatisfação pelo que temos. O sentido, no final das contas não está naquilo que possuímos e nem no que queremos possuir, mas na busca sem fim por coisas que acreditamos que nos falta e que só seremos completos quando a possuímos. Isso é uma ilusão. E os gregos já sabiam disso. Para alguns filósofos, como Diógenes, o cão, a pessoa mais livre era a que menos coisas possuía.
Como manter a moderação?
Essa é uma questão difícil que vai depender de cada um. Acreditar apenas nas nossas avaliações pode ser um erro. Por exemplo, se uma pessoa faz muitas compras de sapatos, isso muitas vezes só se torna um problema se aquilo não faz mais bem para pessoa, ou seja, enquanto ela está feliz tudo ok. Essa é uma lógica hedonista e pobre de se enxergar a realidade. Nossa satisfação momentânea e nosso sentido de felicidade atrelado a objetos não pode ser a medida de nossas ações. Temos pessoas que dependem de nós, e mesmo que não tenhamos, é importante que sejamos pessoas que conseguem obter satisfação e paz de espírito com a coisas simples que não requerem conquistas externas. Obviamente não estamos falando em austeridade e voto de pobreza, mas em moderação, ou seja estamos falando de uma linha mediana entre os extremos.